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Foto do escritorMirta Fernandes

TRANSQUEER

Atualizado: 27 de mar. de 2022



QUESTÕES TRANS


A questão do gênero sexual tem circulado, insistido e interrogado nossa cultura, nossos valores e as possíveis identidades que um sujeito humano pode habitar discursivamente e também na nomeação de seu corpo. A diferença biológica homem/mulher nunca esgotou nem apaziguou o desconforto do ser falante com seu corpo. Hoje, com os avanços da ciência, e consequentemente das possibilidades de intervenção no corpo biológico, estamos diante de inúmeras gêneros que nomeiam e identificam o sujeito.


Essas nomeações formam grupos identitários aos quais os sujeitos se filiam. Constituem um lugar de identificação, um lugar no social, laços com semelhantes que oferece insígnias, valores, ideias e ideais aos quais o sujeito se cola para consistir uma imagem corporal que apazigue as angústias inerentes ao estranhamento que cada um vive na sua relação com seu próprio corpo. Habitar um corpo que fala, um corpo que se tem, mas não se é, implica um trabalho de subjetivação, de identificação imposto pela condição humana de ser falante. Ser alienado, submetido, atravessado pelo universo simbólico da linguagem.


Não pretendo abordar os diferentes gêneros sexuais possíveis de oferecer um lugar de identificação para um sujeito, mas a partir do significante TRANS, que compõe os transgeneros e transexuais, tecer algumas considerações sobre a questão da identidade sexual para o ser falante à luz da psicanálise.


Transformação, trânsito, transpor, transportar, transferir, movimento de passagem, de possibilidades.


Todo sujeito é trans em sua origem (três ensaios para uma teoria sexual – Freud) – perversão polimorfa como Freud nomeia o estatuto pulsional da criança. A criança é trans. Está em trânsito pulsional até que o encontro com a linguagem venha marcar o corpo com um acontecimento que vai fundar o encontro do corpo com a palavra do Outro, um acontecimento que vai se constituir numa marca, um ponto de referência, de orientação. Ponto a partir do qual as experiências subsequentes irão se enlaçar, formando a teia significante de traços identitários que vão sustentar e orientar o sujeito em suas escolhas objetais, em sua posição subjetiva.


Não existe possibilidade para o falante de apreender a falta de identidade essencial quando se trata do sexual. Essa falta é constituinte do sujeito humano porque habita o universo simbólico da linguagem. O significante é equívoco e aberto a significação. não se esgota em nenhum significado ou sentido. Sempre será possível encontrar um novo sentido, um novo significado para qualquer palavra. Portanto não há nome determinado previamente ou não que possa organizar as diferenças sexuais.


Lacan não tenta por em serie as relações do corpo com a linguagem como serie de atributos, mas como acontecimento de corpo. Único para cada sujeito, consequência da captura do corpo pelo significante, ou seja, pela ficção que aí se constrói a partir do encontro com o Outro, lugar onde os significantes se localizam. Impõe-se para cada um a solução única, sintomática diante da diferença sexual. Da diferença biológica que os corpos exibem. Se não existe para o sujeito falante uma determinação previa, qualquer inscrição que identifique um ser falante, cada um vai precisar construir para si um lugar de identificação, a partir do qual possa se situar no social, fazer laços, parcerias amorosas.


Todo sujeito falante, portanto, é um sujeito indeterminado, faz-se sexuado ao simbolizar o real do corpo pela via do jogo especular, imaginário com o Outro. “O real do corpo é o lugar onde se inscreve aquilo que não pode articular-se da palavra do sujeito” - Bassols – conferência sobre o inconsciente trans. Evidencia-se, portanto, que não há inscrição da diferença dos sexos no inconsciente. Nada de uma representação do ser homem e mulher.


Podemos concluir então, que o ser humano é trans em sua origem, sua estrutura, apoiados no conceito do polimorfismo perverso estrutural como apontado por Freud. A pulsão vai organizar e orientar seu circuito a partir do acontecimento de corpo, encontro com a linguagem, e da amarração sintomática que a partir dai se tece. A identificação e a consequente escolha de objeto são soluções singulares, formas de gozo únicas, que escapam, não se esgotam em qualquer nomeação grupal dos mais variados gêneros sexuais que possam passar a existir.


Esse ser humano trans, porque falante, poderia ser pensado também como um trans queer. Queer é a nomeação de gênero que pretende representar qualquer possibilidade de gênero, sem fixar-se a nenhuma identificação. Queer, estranho, esquisito, me remete a unheimlich, o infamiliar freudiano que encontramos em cada um. Um estranho familiar que é o que mais se aproxima de uma definição da relação do sujeito consigo mesmo, com seu corpo e com a subjetividade que o constitui.

TRANSQUEER – unheimlich – pulsão perversa polimorfa.





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